sábado, 18 de abril de 2015

O Salvador, Darli

Absolutamente comum. Sem sombra de dúvida esta é a melhor maneira de definir Darli. Inteligência mediana, vinte e sete anos, solteiro, um metro e setenta e sete, noventa quilos, cabelos e olhos castanhos e ambos pouco expressivos. Recém formado em administração e com um futuro razoavelmente promissor em uma empresa de importação e exportação de alimentos. Teria uma vida tão apática e insignificante como a de milhares de outras pessoas e nunca se daria conta deste fato, acredito mesmo que seria até feliz afinal quanto maior o conhecimento maior é o sofrimento. Eventualmente casaria com alguma menina ingênua que estaria grávida e viveria preocupado com o aluguel, a prestação do carro o mercado etc, etc, etc. Mas como somos marionetes nas mãos do destino a sua vida tomou um caminho um pouco diferente. Como vinha se destacando profissionalmente por sua ambição, empenho e arrojo foi convidado para participar de um jantar na casa de seu patrão que além de ser um dos homens mais ricos de Curitiba também exercia uma grande influência na vida política da capital. Devidamente trajado, cabelos penteados, tocou a campainha da porta da mansão onde acontecia a festa. Enquanto esperava para ser atendido imaginava que as portas que se abririam para ele não seriam as de uma casa, mas sim as de seu futuro. A festa corria exatamente como ele imaginava. Bebida e comida da melhor qualidade, pessoas muito bonitas, ricas, influentes e sobre tudo fúteis. Conversava de forma descontraída quando viu pela primeira vez a mulher de seus sonhos, aquela que transformaria toda sua vida, Carla. Vinte e cinco anos, um metro e setenta, olhos castanhos esverdeados, cabelos cor de cobre longos e cacheados, um corpo escultural em um vestido preto justíssimo com um decote em “V” realçando seios perfeitos. Rosto de anjo, mas com trejeitos de um demônio. Boca simplesmente perfeita para ser beijada com o lábio de cima fino e o de baixo grosso. Carla era a mulher ideal, uma verdadeira obra de arte. Filha de um desembargador cresceu cercada de luxo e conforto. Formada em psicologia por mera formalidade, pois em toda sua vida nunca trabalhou. Apesar de ter todos os motivos do mundo para ser feliz sempre se via um certo ar de insatisfação ou mesmo infelicidade em seu rosto. Como esperado casou-se com um homem mais velho extremamente rico e poderoso que para a infelicidade de Darli era seu patrão. O amor, o verdadeiro, aconteceu para Darli como deve ser. A primeira vista. Desde o instante em que ele colocou os olhos em Carla ele sabia que ela seria sua. Tinha plena convicção que ela era o amor que ele tanto esperou. Sentia como se a conhecesse em toda sua vida e finalmente a sensação de vazio que o acompanhou durante todos os seus vinte e sete anos havia desaparecido. Uma certeza tão grande que ele não se conteve e mesmo ela estando ao lado do marido se aproxima e na frente de todos declara seu amor. - Sei que não nos conhecemos, mas você é a mulher da minha vida. Tenho plena certeza que nascemos um para o outro. Largue seu marido e venha viver comigo. Juro por tudo o que é mais sagrado que dedicarei cada minuto de minha vida para lhe fazer a mulher mais feliz do mundo. Trabalharei e me tornarei muito rico e poderoso e nunca deixarei faltar nada a você. Carla permanece extremamente tranqüila. Apenas da um breve sorriso e fala: - Acredito que até pode ser verdade cada palavra sua, mas não existe nada no mundo que você possa me dar que eu já não tenha. Dizendo isto se afasta e em seus olhos uma mistura de esperança e desilusão. Como alguém que necessita de ajuda, mas já não tem forças para gritar. Gesto romântico, apaixonado e sincero. Conseqüência rápida, brutal e dolorosa. Com a maior discrição, seu agora ex-patrão ordena a seus capangas que o retirem dali e lhe apliquem um corretivo. Mesmo muito dolorido devido à surra que levou Darli não se arrependia de nada. Sabia que só a conseguiria se tivesse muito dinheiro para poder tratá-la como ela merecia. Então foi a luta. Mudou-se para o interior onde trabalhou durante três anos de sol a sol até se tornar, como havia prometido, um homem extremamente rico e poderoso. Mas durante todo este tempo seu único objetivo era Carla. Agora rico e respeitado, retornou a capital onde foi a procura de seu grande amor. Não pouparia esforços ou dinheiro para conquistá-la. Enviou cartas, telefonemas, dúzias e mais dúzias de flores, uma vez chegando a contratar um helicóptero para espalhar pétalas sobre a casa de sua amada. Comprou jóias, diamantes, a convidou para viagens a Europa, a presenteou com carros belíssimos envoltos em enormes laços vermelhos, telefonou inúmeras vezes implorando para jantar e nada. Carla nunca retornou nenhuma carta ou telefonema e devolvia todos os presentes. Seu marido como agora não podia mais mandar surrar alguém tão rico como Darli, o processou por assédio e entrou com um mandato de segurança. Durante um ano Darli não visitou amigos ou familiares e não cuidou de seus negócios e como dizem, é o olho do dono que engorda o gado, Darli quebrou. Voltou a estaca zero. Estava novamente sem dinheiro e continuava sem seu grande amor. Por experimentar o sofrimento tão intensamente, tornando-se um verdadeiro conhecedor, virou poeta, pintor e escritor. Por desespero, em uma madrugada de julho aonde os termômetros chegaram a zero grau, Darli já não sabendo mais o que fazer, pois se quer conseguia trocar uma única palavra com sua amada toma uma atitude extrema. Fica completamente nu e se acorrenta ao portão da mansão onde mora Carla e diz que só sairia de lá quando pudesse conversar com ela. Tentando evitar o escândalo Carla vai até ele. Darli mal se continha de felicidade por estar revendo sua musa e com certa dificuldade para falar diz: - Sei que pareço... Não, sou louco fazendo isto, mas é por amor a você. Também entendo que você está com medo por eu não ter mais nada, mas não preocupe, com você ao meu lado voltarei a ser rico, eu prometo. Carla olhando pra aquela figura nua em sua frente, sente uma mistura de pena e admiração e com uma voz triste fala: - Porque você continua a me procurar? Devolvi todos os seus presentes. Eu já lhe disse que tenho tudo o que o dinheiro pode comprar. Não há nada que você possa me dar que eu já não tenha ganhado. Agora vá embora e me deixe em paz. Por favor. Dizendo isto se vira e vai embora. Os vizinhos chamam a polícia que leva Darli para um hospital onde ele fica internado com pneumonia. A única coisa em que Darli conseguia pensar durante sua internação eram nas palavras de Carla: - Eu tenho tudo o que o dinheiro pode comprar. Não há nada que você possa me dar que eu já não tenha ganhado. Então ao sair do hospital ele retorna para casa pega uma caixa de sapatos velha, embrulha com papel de pão amarra com uma fita e envia para Carla com um bilhete. Ela recebe o pacote, lê o bilhete, olha o conteúdo da caixa e abre um largo sorriso. Corre comunicar a seu marido que estava lhe deixando para viver com seu salvador, Darli. Um homem verdadeiramente sincero e que realmente a amava. Seu marido perplexo sem entender nada vai até o quarto pega o bilhete e lê: "Não vou lhe prometer que a farei feliz ou que nunca deixarei faltar nada para você ou mesmo que lhe amarei pelo resto de minha vida. O futuro a mim não pertence. A única coisa que posso fazer é dizer o que sinto agora, já, neste exato momento: Com todas as forças de meu ser, AMO VOCÊ! E como prova de meu amor envio tudo que tenho na vida." Dentro da caixa havia um trôço enorme em um espiral perfeito. Quase um quilo da mais pura merda feita por Darli momentos antes, pois ainda estava quente. Uma verdadeira obra prima da fisiologia humana.

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